8 de abril de 2011

Sobre a Verdade - Satya

A Paz Interior Surge do
Conhecimento Verdadeiro

Mahatma Gandhi




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Nota Editorial:

O lema do movimento teosófico é “Não há religião
superior à Verdade”. A ideia central da filosofia de
Mahatma Gandhi, como se vê no texto a seguir, é a mesma.
O fato não é casual,  porque Gandhi descobriu a riqueza
cultural do seu próprio país graças ao movimento teosófico,
conforme narra no capítulo 20 na Parte I da sua Autobiografia.

É verdade que os teosofistas não acreditam em qualquer
tipo de deus monoteísta, enquanto Gandhi, falando para
milhões de pessoas humildes na primeira metade do século
20, usava a palavra “Deus”. Porém, para Gandhi, a divindade
não é alguém que manipula artificialmente o cosmo e os seres
humanos. Segundo ele, “Deus” é apenas a verdade universal, e
isso é perfeitamente correto para a filosofia esotérica autêntica.

A seguir, fragmentos do livro de Gandhi “Cartas ao Ashram”.[1]

(Carlos Cardoso Aveline)

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Abordarei primeiramente a Verdade, pela razão mesma de ser do Ashram Satyagraha [2], que é procurar a Verdade e esforçar-se para colocá-la em prática.

A palavra Satya (Verdade) vem de Sat, que significa ser.  Na realidade, não existe nada a não ser a Verdade. É por isso que Satya ou Verdade talvez seja o nome mais importante para Deus. Com efeito, dizer que a Verdade é Deus é mais certo que dizer que Deus é a Verdade. Muitos não imaginam nada além de um soberano ou de um general; os nomes de Deus como Rei dos reis ou Todo-Poderoso são de uso corrente e permanecem entre nós. Se, no entanto, refletimos um pouco mais profundamente, vemos que Sat ou Satya é, para designar Deus, o nome mais exato e que possui um sentido mais completo.

Onde está a Verdade está, também, o conhecimento que é verdadeiro. Onde não está a verdade não podemos encontrar o conhecimento verdadeiro. É por isso que associamos a palavra chit, conhecimento, àquela de Deus. E onde se encontra o conhecimento verdadeiro há sempre a felicidade (ananda) [3], e não há lugar para a dor. A verdade sendo eterna, também a felicidade que dela deriva o é. É por isso que conhecemos Deus sob o nome de Sat-Chit-Ananda. É o que reúne em si a Verdade, o Conhecimento e a Felicidade.

Somente a devoção a esta Verdade justifica a nossa existência. A Verdade deve ser o centro de toda nossa atividade. Ela deve ser o sopro da nossa vida. Quando o peregrino chega a esta etapa do caminho que percorreu, ele descobre sem nenhum esforço as outras regras da vida e a elas se amolda instintivamente. Mas sem Verdade será impossível observar na existência algum princípio ou alguma regra.

Crê-se, de forma geral, que para seguir a lei da Verdade é suficiente dizer a verdade. Em nosso ashram devemos dar à palavra satya, verdade, uma significação mais profunda. A Verdade deve manifestar-se em nossos pensamentos, em nossas palavras e em nossas ações. Para aquele que realizar a Verdade em toda a sua plenitude nada mais resta a aprender, pois todo o conhecimento está necessariamente ligado à Verdade. O que não estiver neste campo não é Verdade e, consequentemente, não é conhecimento verdadeiro. Ora, não podemos ter paz interior sem o conhecimento verdadeiro. Uma vez que apliquemos tal critério infalível da Verdade, poderemos discernir, imediatamente, o que vale a pena ser feito, ou ser visto, ou lido.

Mas como realizar esta Verdade, que lembra um pouco a pedra filosofal ou a vaca inesgotável? [4]

Chega-se, diz a obra Bhagavad Gita, a uma devoção na qual se consagra tudo ao espírito [5], e se vê com indiferença todos os outros interesses que a vida pode oferecer. Entretanto, apesar de toda esta devoção, o que parece verdade a um parece frequentemente um erro a outro. Que isso não perturbe a procura. Se fizermos um esforço sincero, poderemos perceber que as verdades diferentes na aparência são inúmeras folhas que parecem diferentes, mas que são de uma mesma árvore.

NOTAS:

[1] O texto é reproduzido das páginas 25 a 27 de “Cartas ao Ashram” (Ed. Hemus, São Paulo, 125 pp.). Antes de ser publicado como texto independente, o artigo foi divulgado na edição de janeiro de 2011 de “O Teosofista”. (CCA)

[2] Ashram: local de retiro em comunidade, comunidade dedicada ao caminho místico. (CCA)

[3] Felicidade. No livro em português temos “alegria”, mas a palavra “felicidade” é mais indicada para traduzir “Ananda”. O termo também equivale a bem-aventurança. (CCA)

[4] Kamdhenu era uma vaca mitológica que pertencia a um sábio chamado Vasinshtha. Tudo o que se perguntasse a ela, uma resposta era dada. A expressão entrou já na língua corrente de toda a Índia. (Nota da edição brasileira de “Cartas ao Ashram”)

[5] Abhyasa. (Nota da edição brasileira de “Cartas ao Ashram”)

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