20 de junho de 2012

Deixando a Pressa de Lado

 A Arte de Usar Corretamente o Tempo e a
Capacidade de Trabalho Que Estão ao Nosso Dispor

John Garrigues



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O texto a seguir foi publicado inicialmente
de modo anônimo pela revista “Theosophy”,
de Los Angeles, em sua edição de janeiro de 1928,
pp. 106-108. Título original: “The Futility of Haste”. 

(CCA)

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“…. Não nos apressemos por coisa
alguma. A Eternidade está aqui o tempo todo.”

(William Q. Judge, no livro “Letters That Have Helped Me”.)



Provavelmente ninguém sabe de tantas coisas que devem ser feitas quanto um teosofista. Mas quando o vasto número de atividades é reduzido aos deveres que cabem especificamente a ele, fica bem mais fácil percorrer o caminho com estabilidade, e sem atropelos.

O teosofista dedicado deseja conscientemente assumir a responsabilidade pela sua  própria evolução com o objetivo de prestar serviço, do modo mais eficaz possível, à humanidade. Ele busca uma meta que na maior parte dos casos será alcançada depois de várias vidas, se tudo der certo; e para a obtenção desta meta o espírito da pressa não só é fútil, mas constitui, claramente, um obstáculo. 

A pressa é uma coisa de curto prazo.  O atleta que corre por longas distâncias estabelece o seu ritmo e o mantém de modo constante e inalterável. Uma criança, correndo ao lado do atleta por uma breve fração do tempo da jornada, pode passar por ele e em seguida abandonar a corrida. Enquanto a criança fica satisfeita com sua vitória, o atleta prossegue firmemente, imperturbado pelo que parece ser uma derrota aos olhos de quem observa apenas aquele trecho da corrida, sem ver a meta distante.     

No entanto, o fato de estimular a ação deliberada, que está livre do espírito da pressa, não significa aprovar a preguiça, ou a indulgência.

Não há cura melhor, para a ansiedade medíocre ou a sensação de estar trabalhando sob pressão, do que a reflexão sobre as verdades últimas do cosmo.

Mas a nossa contemplação da Duração Infinita não deve levar-nos a deixar de lado a importância da ação presente.

O passado e o futuro fazem parte do Eterno Agora. Porém, embora a ação presente possa alterar o significado do passado - enquanto os seus resultados alcançam o futuro longínquo - a ação, propriamente dita, só pode acontecer no ponto de encontro entre o passado e o futuro, que chamamos de presente.

Cada momento, quando passa do futuro para o passado, deve levar consigo a sua carga devida de atividade deliberada.

A ação é indispensável; mas se ela não for rítmica e harmoniosa, não desenvolverá suas possibilidades mais elevadas, capazes de produzir um benefício duradouro.  Para que estas características sejam desenvolvidas, são necessários uma avaliação e um discernimento conscientes do objetivo da atividade, assim como do modo como a atividade se desenvolve.

Há um conflito de deveres apenas no plano da aparência.

Em quaisquer circunstâncias, nosso dever não pode ser maior do que o limite da nossa capacidade. Do mesmo modo, a cada instante, o dever não inclui coisa alguma além do que é possível realizar naquele momento. A avaliação das exigências colocadas por deveres aparentemente conflitantes, assim como a sua adequação, é algo que só pode ser conseguido à luz do discernimento mais elevado, e esta é uma função do verdadeiro ser humano.

O progresso do teosofista depende em grande parte de até que ponto ele reconhece e presta atenção à voz do seu Eu Superior, e para esta atividade a calma é indispensável.

Até que estejamos mais adiantados, a comunhão com nossa verdadeira natureza é algo espasmódico e intermitente. Nós, como personalidades, não recebemos o fluxo ininterrupto de inspiração a que, em última instância, aspiramos; mas devemos esforçar-nos por olhar com mais frequência e regularidade para as situações em que estamos desde o ponto de vista da nossa natureza mais elevada, e para encontrar deste modo as soluções dos problemas e a aprovação das ações que pretendemos desenvolver.

Este exame do ponto de vista superior elimina o julgamento curto e estreito, e impõe um teste e uma verificação saudáveis, embora eles possam ser incômodos para o temperamento impulsivo.

Aquele cuja mente trabalha rapidamente muitas vezes se sente superior a quem pensa de modo calmo e deliberado, mas a rapidez mental tem as suas próprias desvantagens,  e foi mencionada deste modo em uma das Cartas dos Mahatmas:

“Todos os pensadores rápidos são difíceis de impressionar - num relance eles partem ‘a toda velocidade’ antes de terem entendido o que desejamos que pensem.” [1]

Muita gente considera que a mera inquietação, devida a uma questão de temperamento, significa um meritório interesse pelo trabalho. Estes indivíduos jogam fora sua energia com uma constante movimentação febril, e enganam a si próprios cultivando a sensação de estarem ocupados, mas os seus esforços não têm um propósito valioso, nem durável. Eles são tão escravos da qualidade rajásica quanto os preguiçosos mais radicais são escravos da qualidade tamásica. Aquele cuja ação é harmoniosa, ou sátwica, não cai em ações impensadas, mas economiza energia. [2]

Ele não se desgasta com sentimentos de medo ou aflição. Ele concentra sua atenção e esforço no dever de cada momento, à medida que cada momento surge. Uma tendência comum é ficar ansioso em relação a um acontecimento futuro qualquer, focar a atenção no próximo “ponto importante” da jornada da vida, e assim tirar a atenção do presente e das suas lições. Mas se a eternidade está aqui o tempo todo, cada momento é intrinsecamente e potencialmente tão importante como qualquer outro. Podemos ter acesso à nossa herança ou patrimônio a qualquer momento que quisermos. E quanto mais completa for a atenção naquilo que estamos fazendo, tanto mais eficiente será a nossa administração do tempo disponível.

Outro fato que pesa contra a pressa é que ela torna mais difícil tirar proveito dos indícios e sugestões que o Carma coloca ao nosso alcance.  Afirma-se que o sábio não deve comprometer-se antecipadamente com qualquer plano fixo de ação, mas deve estar pronto para adequar sua conduta aos fatos.

Um homem que age em alta velocidade tende a ignorar advertências no sentido de que precisa mudar de rumo, e por isso vem a sofrer mais tarde. A natureza tem as suas próprias leis e a sua “polícia rodoviária”. A “armadilha da velocidade” - um problema dos motoristas modernos - tem o seu protótipo na reação cármica que resulta de toda pressa desatenta.

Algo que se deve ter presente ao olhar para todas as nossas atividades é o fato de que o teosofista não está fazendo um trabalho por tarefa, mas a teosofia é um trabalho em tempo integral, no qual a qualidade da produção é mais importante do que a mera quantidade.

Todo verdadeiro teosofista trabalha na construção das defesas externas do Templo da Verdade, que foi erguido pelos esforços de gerações incontáveis de Adeptos. É uma tarefa elevada. Ela exige do trabalhador cuidado e habilidade ao colocar cada tijolo firmemente no lugar adequado.

As tarefas feitas por incompetentes apressados, assim como as realizadas por inimigos que estejam dentro do Movimento, precisam ser anuladas e realizadas de novo.

O número de tijolos que cada trabalhador é capaz de colocar depende da sua qualificação diante da lei do carma; mas, se nos libertarmos da ansiedade e da irritação que surgem da pressa, teremos ao nosso alcance a possibilidade de fazer tudo o que somos capazes de fazer - seja pouco ou muito -; e de construir para os séculos que virão.


NOTAS:

[1] “Cartas dos Mahatmas”, Editora Teosófica, Brasília, 2001, volume I, p. 105, Carta 15. (CCA)

[2] Para o hinduísmo, as três gunas ou características da vida na natureza são tamas, rajas e satwa, ou inércia, movimento e ritmo; ou, rotina, agitação e equilíbrio; ou preguiça, ambição e sabedoria. (CCA)

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Leia também o artigo “Um Elogio à Tartaruga”, que pode ser localizado em nossos websites associados.

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