14 de julho de 2014

Diálogo Sobre o Caminho Filosófico

O Movimento Teosófico
Não Deveria Ser Mais Numeroso?

Carlos Cardoso Aveline




Estudante A:

A teosofia é uma filosofia abrangente. Ela descreve o ser humano como fundamentalmente imortal. A filosofia esotérica ensina princípios básicos. Entre eles estão a lei do carma, a lei da reencarnação, a autorresponsabilidade perante o universo, e a unidade dinâmica de tudo o que há. É uma filosofia que desperta as pessoas para a vida eterna. Por que motivo, então, os teosofistas são poucos?

Estudante B:

Talvez eles venham a ser muitos, dentro de pouco tempo. É possível que haja um grande despertar no século 21. Mas, em geral, a evolução humana não ocorre no mesmo ritmo de uma Copa do Mundo de futebol. Ela se desenvolve ao longo de milênios incontáveis. O movimento teosófico moderno, fundado em 1875, ainda não completou duzentos anos. Portanto, ele é tão recente quanto uma muda de árvore que acaba de germinar. Sua ação é pioneira. Ele precisa abrir caminho ali onde não há caminho. Se os teosofistas não fossem pioneiros, seria fácil reunir multidões. No futuro eles serão mais numerosos que as torcidas de futebol durante uma Copa do Mundo. Por enquanto, é preciso trabalhar sem expectativa de resultados visíveis.  

Estudante A:

Como é possível abrir caminho em meio à rotina da ignorância organizada?

Estudante B:

Surpreendentemente, é menos difícil do que parece, uma vez que haja uma visão de longo prazo. É necessário desenvolver uma forte determinação. Isso só pode ocorrer pouco a pouco. O estudante deve erguer-se sozinho, por decisão própria, renunciando às facilidades ilusórias da “viagem de carona” e da “psicologia do rebanho”. Ele deve tornar-se um ser plenamente atento. Deve desenvolver uma visão clara que o tornará capaz de distinguir o que é ainda apenas um potencial. A possibilidade sagrada da sabedoria altruísta é invisível ao olhar desatento. Ela é incompreensível para as mentes que se apegam a uma doença crônica chamada imediatismo. 

Estudante A:

Em que consiste, então, o trabalho de uma escola autêntica de filosofia?

Estudante B:

O trabalho teosófico espalha a semente da potencialidade universal e a coloca ao alcance de milhares de pessoas. Cada indivíduo receberá da filosofia esotérica aquilo que é capaz de perceber. Ele sintonizará com aquela porção do ensinamento que compreende e que pode adotar como sua, pelo critério da harmonia interior. A gradualidade deve ser respeitada.

Na medida em que o trabalho é pioneiro, aqueles que provocam o surgimento de um movimento teosófico autêntico não podem ser numerosos. H.P. Blavatsky teve seus motivos para dedicar uma das suas obras mais importantes, A Voz do Silêncio, “Aos Poucos”.[1] Ela sabia que, frequentemente, são os Poucos que fazem a diferença, e não as multidões.

Estudante A:

Como alguém pode perceber que seu lugar é entre os Poucos?

Estudante B:

Todo progresso real é feito com autonomia. A escolha vem da alma. Vejamos um exemplo prático. O pequeno núcleo de associados da Loja Independente de Teosofistas vem construindo em mais de um idioma as bases de um movimento teosófico que segue o ensinamento original de Helena Blavatsky.

Eles elegeram a si mesmos para desenvolver uma escola de filosofia teosófica. Eles ouviram um chamado do seu interior, por afinidade, não-verbal. Eles estão geograficamente espalhados, e internamente unidos nesta tarefa inédita. Eles crescem lentamente em número. Sabem que o único alicerce durável do movimento está na relação de cada estudante com sua própria consciência. 

Estudante A:

Digamos que um estudante decide “eleger a si próprio para a tarefa”. O que é que ele tem a ganhar com isso?

Estudante B:

Ele tem acesso a algo de um valor inestimável: um treinamento autêntico. Um treinamento verdadeiro implica dificuldades e desafios, seja para um atleta, um iogue, ou um teosofista. Só os falsos gurus prometem um caminho fácil. Mas o treinamento em teosofia é um autotreinamento. 

Não há em filosofia esotérica original um treinador ou guru externo. Há uma autodisciplina que surge gradualmente, à medida que o caminhante trilha o caminho. Há uma ajuda mútua entre os estudantes; mas ela respeita e incentiva a independência individual, combinando-a com a solidariedade.

Se a fonte de inspiração não for encontrada dentro de cada um, não adianta procurá-la fora. Daí a importância da autonomia do aprendiz.

Estudante A:

Segundo alguns, os desafios que surgem durante a caminhada são significativos. 

Estudante  B:

O fato de que o caminho autêntico é íngreme e avança morro acima constitui uma bênção, porque é do alto do morro que se tem uma visão ampla. Se os desafios fossem poucos, o caminho não teria valor.  

Estudante A:

Mas quais são os obstáculos?

Estudante B:

Externamente, não são os mesmos para todos. Eles variam conforme as qualidades positivas de cada estudante. Mas todo aquele que iniciar a caminhada passará por períodos de lutas e desafios. Entre as possíveis armadilhas estão:

1) A dispersão;
2) O desânimo;
3) A impaciência;
4) A falta de discernimento.

Estes obstáculos estão ligados entre si. A falta de discernimento, por exemplo, leva à dispersão. A impaciência produz desânimo. O desânimo bloqueia o discernimento, e assim sucessivamente. Estes desafios são vencidos pela combinação de cinco fatores, cuja sequência também varia de pessoa para pessoa:  

1) A concentração;
2) A coragem;
3) A paz-ciência; 
4) A observação atenta; e
5) A vontade de aprender.

Assim como os desafios, os fatores positivos somam energia uns com os outros. A paciência possibilita a concentração. A vontade de aprender abre caminho para cada um dos outros itens. A coragem é resultado da concentração. A observação atenta amplia a vontade de aprender; e assim por diante. É claro que há muitos outros fatores: estamos escolhendo alguns para exemplificar.

É preciso saber atuar com a intensidade de quem busca resultados de curto prazo, e ao mesmo tempo desenvolver a paciência de quem sabe e compreende que tem centenas de milhares de anos pela frente. O verdadeiro eu vive numa escala de tempo muito ampla. Por outro lado, ele inspira em nós, ao longo da vida diária, uma vontade de agir a cada instante do modo mais correto possível. 

No plano do eu superior, cada ser humano sabe que a eternidade está presente no momento exato do agora.

Ele também sabe que todo momento presente é parte do tempo eterno. Quando se torna profundamente consciente disso, ele age à altura. 

NOTA:

[1] A obra “A Voz do Silêncio”, de H.P. Blavatsky, está disponível na íntegra em nossos websites associados.

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Uma versão inicial do texto acima foi publicada na edição de junho de 2011 de “O Teosofista”.

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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.

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