15 de abril de 2013

A Vida Toda é Bela

Não Há Coisa Alguma Sem Vida no
Universo, e a Lei do Equilíbrio Une Tudo o que Existe 

Carlos Cardoso Aveline




“Devemos viver com felicidade, pois, nós
que nada possuímos. Vivamos como os Seres
Iluminados, alimentados pelo contentamento.”  

 (O Dhammapada)

  

Nenhum obstáculo resiste ao poder universal da fraternidade. A simples capacidade de manter-nos leais à ideia de sinceridade em nosso coração contém em si uma quantidade ilimitada de energia e pode mudar o mundo inteiro a seu devido tempo.  

O poder da amizade e da confiança mútua no trabalho por uma causa nobre não pode ser facilmente calculado.

É quando deixa de viver para o mundo do egoísmo que um ser humano começa a viver de fato.  A verdade do altruísmo leva à ajuda mútua, e a ajuda mútua produz níveis superiores de felicidade. Assim passamos a compreender que nenhum mal existe realmente, seja em nós mesmos ou nos outros, ou ainda no universo.

A vida e a natureza se desdobram em ciclos, e nenhuma parte do círculo pode ser vista como “má” do ponto de vista da teosofia.

Cada uma das partes de uma linha do tempo traz lições de coragem e desapego. Observando as várias fases da roda da vida, obtemos uma sabedoria que se refere a começos e finalizações. Não basta aprender a começar novas atividades. Devemos saber consolidá-las, preservá-las - enquanto elas forem corretas e úteis -;  administrar a fase final das suas operações;  e finalmente a abrir mão por completo delas quando chega o momento de concluir o ciclo todo.

A vida nos dá o que necessitamos aprender, e não necessariamente o que desejamos. Podemos obter e preservar o que merecemos. Sempre que obtemos algo do qual não estamos à altura, ou que merecemos apenas em parte, são inevitáveis as compensações cármicas. A lei do carma não abre exceções. Em diferentes circunstâncias, podemos crescer em sabedoria, e também podemos não crescer. É perfeitamente possível avançar ou falhar. Cada fracasso é parte de um processo mais amplo de aprendizagem que não é sempre fácil de compreender a curto prazo. No entanto, a vida em si mesma jamais falha. Ela nos ensina sabedoria em todos os aspectos e em cada fase da nossa existência. A aprendizagem não fica limitada a um indivíduo ou uma comunidade. Ao contrário. Nossos ciclos pessoais são instantes passageiros da verdadeira Realidade.

A vida de longo prazo inclui diferentes tipos de humanidade em vários globos, e se desdobra ao longo de eras imensuráveis, passadas e futuras. Ao examinar alguns dos ciclos maiores do universo,  H. P. Blavatsky escreveu:

“Ao inaugurar um período de atividade, diz a Doutrina Secreta, ocorre uma expansão desta essência Divina desde fora para dentro e desde dentro para fora, de acordo com a lei eterna e imutável; e o universo visível, ou fenomênico, é o resultado último da longa cadeia de forças cósmicas assim colocadas progressivamente em movimento. De modo semelhante, quando é retomada a condição passiva, ocorre uma contração da essência Divina e o trabalho anterior de criação é gradual e progressivamente desfeito. O universo visível fica desintegrado, e o seu material, disperso; e só a ‘escuridão’, solitária, domina uma vez mais a face do ‘profundo’. Para usar uma metáfora dos Livros Secretos, que transmite a ideia ainda mais claramente, uma exalação da ‘essência desconhecida’ produz o universo; e uma inalação faz com que ele desapareça. Este processo vem ocorrendo desde toda a eternidade, e o nosso universo atual é apenas um, de uma série infinita que não teve início e não terá fim.” [1]

Portanto, não pode haver verdadeira maldade no universo nem em seus ciclos. A Noite de Brahma, por exemplo, não é “má”. Não existe necessidade de os teosofistas alimentarem algum medo supersticioso. A Noite de Brahma é uma boa noite de sono, um período de descanso merecido.   

O Kali Yuga, igualmente, só pode ser descrito como “mau” desde um ponto de vista superficial. Sendo um período longo de tempo, o Kali Yuga existe para que a humanidade possa aprender as lições necessárias na sua etapa atual. O Kali Yuga é nosso bom professor. Ele nos salva da nossa ignorância, e devemos ser gratos a ele. 

Enquanto o medo resulta da ignorância, a confiança na vida surge do verdadeiro Conhecimento. Os ciclos grandes e pequenos estão unidos por correlações, e todos sabemos como é necessário ter um período de descanso após um longo dia de trabalho.  Assim como no ciclo de 24 horas, a Boa Lei guia os sucessivos universos ao longo de Manvântaras e Pralayas, Dias e Noites, sem fim.

As perdas e desintegrações ocorrem dentro de ciclos de 360 graus de aprendizagem e autorrenovação. O Universo é uma escola de almas. Dentro dele nada é inútil, exceto aquilo que nega a unidade da vida ou a sua autorrenovação cíclica. Tudo o que promove a sabedoria e evita estimular as causas do sofrimento é bom. 

Examinando o mistério da bondade, o pensador clássico Musônio Rufo afirmou:  

“… Aqueles entre nós que participam de discussões filosóficas naturalmente ouviram falar na ideia de que a dor, a morte, a pobreza e outras coisas que estão livres de maldade não são, de modo algum, más; e convivem com a ideia de que, em compensação, a riqueza, a vida,  o prazer e outras coisas que não participam da virtude não são boas. No entanto, embora tenhamos escutado estas ideias, devido à corrupção que foi transmitida a nós o tempo todo desde a infância, e por causa do comportamento deturpado que esta corrupção causa, pensamos que é mau que a dor venha até nós; e pensamos que é bom que ocorra o prazer.” [2]

A dor traz lições; o prazer pode escravizar.

Todas as Fases da Lua são Boas

Quando se trata de saber o que é realmente bom, pode haver várias formas de ilusão. Um exemplo disso é o hábito - frequente em meios esotéricos - de considerar “boa” a quinzena anterior ao momento da Lua Cheia, que começa com a Lua Nova. O motivo para a crença está  no fato de que durante este período a luz física da Lua aumenta a cada noite. O mesmo ponto de vista considera “má” aquela parte do ciclo da Lua que vai desde a Lua Cheia até o final da Lua Minguante, porque nesta época a luz da Lua é decrescente.

Não há dúvida de que no mundo externo a energia vital se expande durante a quinzena “luminosa”, e perde intensidade na outra metade do ciclo. Este é um reflexo, em pequena escala, do ciclo dos períodos de manifestação e repouso do universo, o manvântara e o pralaya. Por outro lado, o ciclo lunar é uma versão maior das fases alternadas de luz e escuridão que fazem o dia e a noite, a cada período de 24 horas.

Não há coisas “ruins”, nem qualquer “maldade”, neste processo natural. As duas semanas do ciclo lunar em que a luz é decrescente são boas para conseguir o término de assuntos pendentes. É o tempo mais indicado para renunciar, para abrir mão, e para desapegar-se daquilo que é inútil ou prejudicial.  Também é uma boa época para perseverar naquilo que é fundamental, essencial, invisível, duradouro, e incondicionalmente bom. A Lua Minguante tem relação com Nivritti Marga, o caminho místico “de volta para casa”. Ela nos convida para valorizar o mundo espiritual, enquanto que as duas semanas “luminosas” expandem os assuntos materiais e astrais, aumentando a importância de ações físicas e voltadas para o eu inferior.  

Na tradição budista e teosófica, a Lua Cheia está associada à Iluminação. Isso não significa que todo o ciclo preparatório da Lua Cheia é necessariamente bom para o Espírito, o Eu Superior.  O crescimento físico da Lua expande também o apego ao mundo, enquanto que a Lua Minguante ensina modéstia, humildade, ação silenciosa, transcendência - e o plantio de bom carma.

O ciclo de 24 horas inspira o mesmo respeito inclusivo pela vida em seu conjunto. A  noite constitui um período necessário de descanso. Ela é o Pralaya que prepara um novo Manvântara, na manhã seguinte, assim como o período maior da  Lua Minguante prepara uma outra expansão a partir do  momento da Lua Nova.

É impossível, e indesejável, remover os fatores divisivos da vida.  Assim como a unidade, a separação é parte da existência. Devemos evitar a criação de desarmonia desnecessária, mas a perda e a desarmonia são fatores naturais do aprendizado. O conflito é frequentemente a manifestação de uma forma particular de ignorância, que deve ser removida pela compreensão, e pela ação correta.  Ele não é mau em si mesmo, portanto, e o poeta inglês Alexander Pope escreveu:

“Toda a natureza é apenas arte, desconhecida por ti;
Todo acaso, apenas direção, que tu não podes ver;
Cada discórdia, uma harmonia não compreendida;
Todo mal parcial, bem universal:
E apesar do orgulho, e da razão que falha,
Uma verdade é clara: tudo o que é, é correto.” [3]

A concepção teosófica de fraternidade universal transcende, e não elimina, os fatores divisivos e separativos da vida. Tanto a separação como a união podem criar sofrimento: tudo depende do carma. A aflição ou Dukkha é parte da existência, segundo explica a primeira nobre verdade do budismo. A filosofia torna possível eliminar as causas do sofrimento desnecessário. Ela nos ensina a ser maiores do que a dor, mas não estimula a pretensão de removê-la artificialmente.

O carma futuro depende sobretudo da motivação, ou intenção, interna. Enquanto alguém estiver buscando a iluminação pessoal, o prestígio, o conhecimento para si mesmo, a eficácia política e outras superficialidades, é a personalidade que estará definindo o nível em que o carma é acumulado e o mundo em que a pessoa vive. Esse nível de realidade ocorre independentemente das palavras ditas e das intenções proclamadas, que podem ser extremamente nobres.

Quando alguém começa a viver para a humanidade e coloca todo o resto em um segundo plano, a personalidade passa a ser reconhecida como mero instrumento.  É o principal objetivo em nossa vida - mais do que a boa intenção ao fazer esta ou aquela tarefa isolada - que cria bom carma no conjunto da vida e define as situações decisivas de nossa trajetória no Caminho. Este é o fator central. Os esforços menores se adaptam a ele assim como as abóboras se acomodam entre si em uma carreta que avança por uma estrada de barro.

A Vida é Infinita, e é Inseparável

O universo está vivo e é um só. Ele não está dividido entre “bem” e “mal”. A ignorância existe, sem dúvida; mas ela é apenas a semente de um nível de sabedoria que ainda deve nascer para a vida ativa.

Tudo em nosso planeta e em nosso sistema solar obedece à Boa Lei. Cada aspecto da vida é essencialmente bom no sentido de que está conectado a todos os outros aspectos através da Lei da Justiça e do Equilíbrio, que é  Lei da Unidade, a Lei da Afinidade, e a Lei do Carma. Portanto, apesar da dor humana, a vida toda é bela.  Patañjali afirma que o universo objetivo existe para o correto desenvolvimento da alma. O sofrimento traz lições que são transmitidas pela Natureza de acordo com a Lei da Compaixão Universal, para que possamos avançar sem perda de tempo pelo caminho da sabedoria. Tanto o prazer como a dor são maiávicos, ou ilusórios, exceto pela aprendizagem que nos permitem. Sob a superfície dos desafios cotidianos, a vida se desenvolve em paz e obedece fielmente à lei eterna.  Um Mestre de Sabedoria explica o paradoxo: 

“O mal não tem existência per se  e é apenas a ausência do bem; e existe apenas para aquele que é transformado em vítima sua. Ele surge de duas causas, e, tanto quanto o bem, não é uma causa independente na natureza. A natureza é destituída de bondade ou maldade; ela segue apenas leis imutáveis quando dá vida e alegria ou manda sofrimento e morte,  destruindo o que havia criado. A natureza tem um antídoto para cada veneno, e suas leis possuem uma recompensa para cada sofrimento. A borboleta devorada pelo pássaro se torna aquele pássaro, e o pequeno pássaro morto por um animal alcança uma forma mais elevada. Essa é a lei cega da necessidade e da eterna adequação das coisas, e portanto não pode ser considerada um Mal na Natureza. O verdadeiro mal surge da inteligência humana e sua origem está inteiramente no homem que raciocina e que se dissocia da Natureza. Só a humanidade, portanto, é a verdadeira fonte do mal. O mal é o exagero do bem,  produto do egoísmo e da ganância humanos. Pense profundamente e  descobrirá que com a exceção da morte - que não é um mal mas uma lei necessária - e de acidentes, que sempre terão suas recompensas em uma vida futura,  a origem de cada mal, seja pequeno ou grande, está na ação humana, no homem, cuja inteligência faz dele o único agente livre da natureza. Não é a natureza que cria doenças, mas o homem. A missão e o destino dele na economia da natureza é ter uma morte natural provocada pela velhice; salvo acidentes, nem um homem selvagem nem um animal selvagem (livre) morrem devido a doenças. Comida, relações sexuais, bebida, são todas necessidades naturais da vida; no entanto, o excesso delas traz doenças, miséria, sofrimento mental e físico; e estes últimos são transmitidos como os maiores males para as gerações futuras, os descendentes dos culpados.” [4]

Se isso é verdade, por que deveria ser tão difícil para alguns de nós compreender que toda a vida é essencialmente boa e bela? 

É possível listar pelo menos três fatores:

1) Tanto no Oriente como no Ocidente, as igrejas e seitas dependem da crença humana na existência do “mal” para poderem ameaçar os seus seguidores com o Inferno ou os seus equivalentes. A ameaça é usada para convencer os inocentes de que a obediência cega é a melhor alternativa para evitar inúmeros horrores imaginários.   

2) Os indivíduos narcisistas caem frequentemente na tentação de acreditar que  “o mundo é mau”, e assim enganam a si mesmos pensando que são muito melhores que o mundo. Eles tentam convencer a si mesmos de que eles próprios são excelentes pessoas, sábias e purificadas, e vivem em suposto contraste com um mundo tremendamente egoísta, fabricado pela sua própria imaginação.

3) Os cidadãos desinformados podem enganar a si mesmos pensando que “o mundo é mau”, e assim justificar os seus próprios atos de egoísmo e sua pretensão de serem espertalhões.

As pessoas mais sábias, no entanto, são humildes. Os teosofistas sabem que o mundo é tão bom quanto os seres humanos merecem. O Universo inteiro está aprendendo e evoluindo o tempo todo, e nenhum cidadão é uma exceção à regra. A Vida é um processo infinito de ensino e aprendizagem. Estando livres de igrejas e seitas, e abstendo-se de adotar o Dinheiro como seu Deus, o teosofista vê que a vida inteira é feita de bênção e paz internas, ao lado de sofrimento externo.    

O Dhammapada explica:

“Devemos viver, pois, livres do ódio e felizes entre os que odeiam. Entre os homens que odeiam, que nós vivamos livres do ódio. Devemos viver, pois,  livres da doença da cobiça e felizes entre os que sofrem desta doença. Entre os homens que têm a doença da cobiça, que vivamos livres desta doença. Devemos viver, pois, livres da ansiedade e felizes  entre os que estão consumidos pela preocupação. Entre os ansiosos, que nós vivamos livres da ansiedade.” [5]

O erro provoca sofrimento.  A dor serve para evitar que fiquemos adormecidos no processo. A ausência de condições confortáveis torna impossível que os aprendizes da Vida permaneçam indefinidamente dormindo e roncando na sala de aula oculta que lhes é oferecida pelo seu Carma individual. Em algum momento eles compreenderão este ensinamento, também encontrado no Dhammapada:

“Devemos viver com felicidade, pois, nós que nada possuímos. Vivamos como os Seres Iluminados, alimentados pelo contentamento. A vitória cria o ódio; os derrotados permanecem no sofrimento; mas o homem tranquilo vive com felicidade, sem dar atenção a vitória ou derrota.” [6]

NOTAS:

[1] “A Doutrina Secreta”, H. P. Blavatsky, edição online de  nossos websites associados, em uma das primeiras páginas do Proêmio. Na verdade, H. P. B. está citando palavras da sua obra “Ísis Sem Véu”.

[2] “Musonius Rufus - Lectures and Sayings”, translated by Cynthia King and with a preface by William B. Irvine, CreateSpace, USA, copyright 2010, 2011, by Cynthia King, 101 pp., ver p. 37.

[3] “Essay on Man and Other Poems”, Alexander Pope, Dover Publications, Inc., New York, copyright 1994, 99 pp., ver pp. 52-53.

[4] “Cartas dos Mahatmas”, Editora Teosófica, Volume I, Carta 88. O texto está disponível em nossos websites associados sob o título “Mestres Ensinam Que Não Há Deus”, e tem como nome de autor “Um Mahatma dos Himalaias”.

[5] “O Dhammapada”, edição completa em nossos websites associados, capítulo 15, “A Felicidade”, versos 1-3.

[6] “O Dhammapada”, edição completa em nossos websites associados, Capítulo 15, versos 4 e 5. 

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