29 de junho de 2014

Um Elogio à Tartaruga

Ou a Arte de Libertar-se da Pressa

Carlos Cardoso Aveline




A ciência da administração do tempo é um dos maiores desafios de hoje. As pressões externas são tantas, e tão insistentes, que tiram de muita gente a capacidade de viver em paz. 

Isso pode ser ilustrado pela história de uma  tartaruga, adaptada da cultura árabe.  Aliás, há seres humanos que têm forte admiração por estes animais, e aprendem com eles. Uma tartaruga pode viver mais de um século. Nos Estados Unidos, um indivíduo da espécie viveu 135 anos. Sua idade média oscila entre 80 e 100 anos, e pode ser  calculada pelo número de anéis do casco. 

Conta a história que, um dia, os animais se reuniram em assembleia geral, e começaram a falar das coisas que os seres humanos tiravam deles. 

- “Eles pegam o meu leite”, reclamou a vaca, com uma calma resignação na voz. “Quando não me matam”. 

- “Colocam minha carne na panela para fazer canja”, disse uma galinha, nervosa. 

- “Usam minha carne para fazer toucinho”, alegou o porco. 

- “Querem caçar-me para ficar com o óleo”,  testemunhou a baleia. 

- “Estão destruindo as matas nativas em que eu vivo”, afirmou o macaco. 

Os testemunhos e constatações prosseguiam.  Até  que por último veio a tartaruga, e disse: 

- “Eu  também  tenho algo que eles certamente tirariam de mim,  se pudessem. É  algo que eles necessitam acima de todas as coisas, mas também algo que desperdiçam e jogam fora. Eu tenho tempo: esta é minha grande riqueza.” 

De fato, a tartaruga não tem pressa nem para respirar.  Respira lentamente, apenas três vezes por minuto, como se fosse algum grande mestre de ioga. Por isso ela vive em paz. Não está preocupada com nenhuma das superficialidades urgentes que preenchem a vida cotidiana de muitos cidadãos modernos. 

No folclore indígena brasileiro, segundo registra Rodolpho von Ihering, a tartaruga e o jabuti são símbolos de sabedoria,  e por isso a tartaruga ganhou algumas corridas realmente lendárias. 

Na tradição oral do folclore indígena brasileiro, o jabuti joga corrida com o veado, o bicho mais veloz da floresta, e coloca seus parentes nos diferentes pontos do trajeto. Durante a corrida, cada vez que o veado perguntava pelo adversário, um jabuti diferente respondia: “Estou aqui!”  O veado correu, surpreso, até cair morto. [1] 

Na famosa fábula de La Fontaine, a tartaruga aposta corrida com a lebre, mas esta subestima o adversário e vai descansar. Descansando, dorme. O sono simboliza a falta de atenção diante da vida e do tempo que passa.   Na fábula, a lebre só acorda quando a lenta, mas tenaz e atenta tartaruga já garantiu a vitória. 

Frases como “devagar se vai ao longe” e “a pressa é inimiga da perfeição” bem poderiam ter sido inspiradas em alguma tartaruga,  ou ditas por ela. 

A lição básica da tartaruga para os seres humanos  consiste em levantar uma questão que deve ser examinada com calma: 

“É bom viver perseguidos pelo sentimento de pressa? Vale a pena?” 

Conta-se que um dia um pescador estava sentado tranquilamente no seu barco a remo, nas águas do Rio dos Sinos, segurando uma linha com anzol. Apreciava aquela paisagem bonita, quando um poderoso industrial estacionou ali o seu  carro importado e veio falar com ele. 

- “Por que você não dá um jeito de pescar com  rede?”,  perguntou o homem, que ignorava a proibição do uso de redes no rio. 

- “Porque pescando desse jeito eu tenho o suficiente para viver”, respondeu o pescador, com um jeito simples de homem do povo. 

- “E por que você não quer jogar redes no rio e pescar mais peixes?” 

- “O que eu faria com eles?” 

- “Ora, você poderia ganhar dinheiro, vendendo-os”, tentou explicar o industrial.  “Este trecho dos Sinos não está poluído ainda. Assim você teria mais peixes e mais dinheiro. Poderia comprar outro barco. E seria um homem rico, como eu”. 

- “E o que eu faria então?” 

- “Ora, então poderia realmente gozar a vida”. 

- “E o que você acha que eu estou fazendo agora?” -  perguntou o pescador, olhando para o voo elegante de uma garça branca. 

O diálogo acima  reproduz, em outro contexto, o mesmo desafio paradoxal da pressa e da lentidão, ou da lebre e  do veado, que perdem a corrida para a tartaruga. 

Às vezes, é fazendo as coisas devagar que você alcança melhor resultado, e é fazendo menos coisas, bem feitas, que você atinge sua meta. 

Quando uma pessoa, ou uma sociedade inteira, se agitam demais, é porque não estão sabendo enfrentar as questões que realmente interessam. 

NOTA: 

[1] “Da Vida dos Nossos Animais”, Rodolpho von Ihering, Casa Editora Rotermund S.A., São Leopoldo, RS, quinta edição, 320 pp., 1967, ver pp. 113.

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