27 de agosto de 2014

Como Perceber o Futuro

O Exame de um Fragmento
Iniciático de Helena P. Blavatsky

Carlos Cardoso Aveline




A fundadora do movimento esotérico moderno escreveu dezenas de volumes de grande porte. Mas a quantidade não é o mais importante. É a profundidade que chama a atenção.

Os textos de H. P. Blavatsky possuem diversos níveis de significado, e o leitor só pode descobri-los gradualmente, conforme aumenta o seu grau de discernimento.

Há muito por perceber nas entrelinhas. O estudante é convidado a ler os livros de HPB com a alma. Isso fará com que ele passe por uma experiência de expansão de consciência ao longo da qual não faltarão desafios. As descobertas que faz transformam a sua vida, ainda que ele não queira.

À medida que o mais elevado se expande, o que é inferior se desinfla e deixa de existir, para decepção de quem se apegava ao passado. Cada trecho vivenciado do ensinamento teosófico amplia os horizontes, e faz isso de uma maneira nem sempre agradável, porque destrói as ilusões prediletas do eu inferior. Em compensação, o indivíduo começa a compreender o mistério do tempo eterno, e rompe-se diante dele a prisão do tempo de curto prazo.

Em “Ísis Sem Véu” há um fragmento iniciático em que H.P. B. escreve a respeito do futuro. O trecho merece ser tema de uma reflexão. Ele transmite uma visão clara do conceito teosófico de Tempo, e esclarece a relação entre presente, passado e futuro.  

H. P. B. diz:

“De acordo com a doutrina cabalística, o futuro existe na luz astral em embrião, assim como o presente existiu em embrião no passado. O homem é livre para agir como quiser, mas a maneira como ele agirá pode ser conhecida o tempo todo, não com base em fatalismo ou na ideia de destino, mas simplesmente devido ao princípio da harmonia universal e imutável, do mesmo modo como se pode prever que, quando uma nota musical é tocada, as suas vibrações não podem se transformar, nem se transformarão, nas vibrações de qualquer outra nota.” [1]

Ao examinar este trecho, é possível tirar conclusões práticas.

Em primeiro lugar, a tarefa de cada indivíduo que busca a sabedoria não é um esforço por “mudar a si mesmo” como quem altera a fachada de um prédio e a pinta com cores mais agradáveis para obter o aplauso dos outros. 

A tarefa é aumentar a ligação com a sua própria nota-chave essencial. Isso irá romper vários tipos de rotina ao seu redor e desagradará a mais de uma pessoa.  Ele deve ouvir o “som do silêncio” e aprender com a voz sem palavras do seu mestre interno, o eu superior, a alma imortal. A meta da aprendizagem teosófica é fazer soar a nota-chave que expressa este processo de despertar.  A filosofia esotérica ensina que, assim como há sete notas na escala musical, também existem sete níveis de vibração na alma humana.  

A vida é como a música dos pitagóricos.  

Cada vez que alguém passa a fazer soar a sua própria nota-chave, ainda que no início fracamente, todas as outras notas começam a reagir e a adequar-se ao fato novo que está surgindo do centro da aura do indivíduo. 

O processo de adaptação inclui resistências. Há boicotes subconscientes e semiconscientes. Há sofrimento. Há desafios. O aprendizado é probatório. É experimental. Tudo nele precisa ser testado mais de uma vez. As derrotas são parte importante da alquimia do aprendizado. O indivíduo avança melhor quando observa serenamente o conjunto da vida em seus vários níveis de consonância e dissonância. Ele fortalece sua vontade tentando o melhor em condições pouco favoráveis. Não há outro caminho a seguir, porque, quando as condições são agradáveis, a sua vontade geralmente perde força.   

Nada existe separado. O processo individual está inevitavelmente ligado ao carma coletivo e, assim, o altruísmo é indispensável. Não pode haver autolibertação sem um projeto solidário. Todos os seres estão unidos pelos fios invisíveis do carma. É ajudando que se é ajudado.  Sem altruísmo não é dado um só passo à frente. 

O individual e o coletivo estão ligados em harmonia nos níveis superiores de consciência.  Só os cegos espirituais não sabem disso. Uma das funções do movimento teosófico é mostrar a ligação direta que há entre a felicidade individual e a felicidade de todos os seres, e desfazer a ilusão da “felicidade egoísta”.  O dever do movimento teosófico é tocar coletivamente uma nota elevada da consciência humana. O nome técnico desta nota-chave, na filosofia esotérica oriental,  é “buddhi-manas”.

As notas dissonantes que vemos no mundo externo, tanto individual como coletivo, são necessárias para comprovar a solidez da força com que surge a nova consciência. Estamos no início do despertar humano. No começo, as notas dissonantes fazem mais barulho que a nota-chave elevada.  O que falta às notas dissonantes, porém,  é consistência. E também durabilidade. A nota-chave não faz barulho, mas ela vence, porque é imortal e pode esperar que a ignorância perca sua força. 

Cabe ao estudante de teosofia ter, portanto, uma visão de longo prazo, e desenvolver a determinação necessária para plantar bom carma no presente, mesmo tendo que avançar contra a correnteza. As sementes de futuro podem ser percebidas no instante do agora, através da simples observação do que estamos plantando. 

Passado, presente e futuro são partes inseparáveis de um mesmo conjunto, e H.P. Blavatsky escreveu:

“... A eternidade não pode ter passado ou futuro, mas apenas o presente, assim como o espaço infinito, no seu sentido estritamente literal, não pode ter lugares próximos nem distantes. As nossas concepções, limitadas à área estreita da nossa experiência, tentam localizar, se não o final, pelo menos um começo do tempo e do espaço; mas nem o início nem o final existem em realidade, porque se existissem o tempo não seria eterno, nem o espaço seria ilimitado.”

Blavatsky prossegue:

“O passado e o futuro não podem existir exceto precariamente (....). Só nossas memórias sobrevivem; e nossas memórias são apenas vislumbres que obtemos dos reflexos deste passado nas correntes da luz astral (...).” [2]

O que se pode fazer diante do mistério do tempo ilimitado?

O indivíduo deve deixar que despertem em si mesmo os princípios superiores da consciência humana. São eles que lhe darão os meios práticos de ter acesso direto ao tempo e ao espaço infinitos. 

Pouco a pouco, ele perceberá melhor as relações cíclicas entre o presente, o passado e o futuro. Pagando o preço de buscar a sabedoria e deixando que morram aos poucos as suas ilusões, ele reconhecerá o tempo e o espaço infinitos como a grande essência universal que anima e transcende cada forma de vida.  

NOTAS: 

[1] “Isis Unveiled”, Theosophy Co., Los Angeles, volume I, p. 184. Outra tradução pode ser encontrada na versão brasileira da obra: “Ísis Sem Véu”, Helena P. Blavatsky, Ed. Pensamento, edição em quatro volumes, ver volume I, p. 249.

[2] Ver “Isis Unveiled” e “Ísis Sem Véu”, nas mesmas edições, volumes e páginas citados na nota anterior.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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